No Brasil, os focos de incêndio emitem mais gases do efeito estufa do que toda a atividade industrial e geração de energia - incluindo os derivados de petróleo.
A linha de fogo vai por três quilômetros e avança muito rápido na floresta. O mais impressionante é que esse é só mais um dos focos de incêndios da Ilha do Bananal. A ilha toda tem centenas de focos de incêndio.
Somos os primeiros repórteres a chegar à Ilha do Bananal, no Tocantins, desde que o fogo começou, há uma semana. No horizonte, para onde se olha, se vê fumaça brotando da mata, que abriga o Parque Nacional do Araguaia e duas reservas indígenas.
Na maior ilha fluvial do mundo, do tamanho do estado de Sergipe, as brigadas de incêndio do Prevfogo, do Ibama, lutam contra um inimigo poderoso.
Encontramos as brigadas em uma pausa de apenas dez minutos, para reabastecer a água e as forças.
Acompanhamos duas brigadas de prevenção a incêndio até aquela linha de fogo mais alta. Está a mais ou menos um quilômetro de distância ainda, mas a fumaça já está ficando insuportável. É muito forte, principalmente nos olhos.
“É muito fácil as pessoas se perderem aqui por causa da fumaça e por causa da densidade da floresta mesmo. Por isso, de vez em quando eles fazem essa chamada”
Sem diminuir o ritmo, eles vão cortando a linha de fogo. É uma estratégia simples, mas extremamente eficiente. A água só serve para esfriar um pouco o ambiente. O que apaga o fogo são os abafadores de borracha.
É hoje a área mais crítica do país. O estado do Tocantins já tem quatro vezes mais queimadas do que no ano passado. Há poucos dias, as labaredas avançavam sobre o Parque Nacional do Lajeado, ao lado da capital, Palmas. Em cima da serra, parecia um vulcão.
O fogo foi controlado. Volta e meia um novo foco aparece. Uma brigada continua acampada no mato, para evitar que um novo incêndio consuma a outra metade que restou do parque.
“Quando dá uma reignição, a gente aciona dois, três, quatro para ir lá, e fazer um rescaldo bem rápido, a gente sabe que aquele fogo e está controlado”, explica o coordenador do Prevfogo Marcelo Santana.
Novas brigadas estão indo para a Ilha do Bananal, e o Ibama treina soldados do exército, que amanhã já estarão na linha de fogo.
Essa luta tem sido travada em muitos fronts. Em Marcelândia, Mato Grosso, a população foge do fogo que começou nas serrarias, e se alastrou pela cidade. Em Minas Gerais, no Pico do Gavião, os donos da casa também estão sobre cinzas. No Parque Nacional das Emas, Goiás, 60% da área foi queimada. Alguns dos habitantes fugiram, outros sucumbiram. Muitos, ainda parecem perdidos numa paisagem que agora só tem cor, se os bichos emprestarem.
Na Amazônia, na imensa área que vai do Pará até Rondônia, o chamado arco de fogo arde sem encontrar resistência. Uma equipe do Greenpeace sobrevoou essa fronteira onde a pecuária avança sobre a floresta: “Tem até boi. Ali mesmo a gente está identificando mais boi, no meio do fogo, praticamente”.
A nuvem que dificulta o voo dos ambientalistas chega até Manaus, a centenas de quilômetros de distância. A Porto Velho, também longe da linha de fogo e pode ser vista do espaço.
As imagens de satélite mostram como ela chega à atmosfera, e espalha gases tóxicos em uma área que sai da Amazônia, bate na Cordilheira dos Andes, e chega ao Sul do Brasil. O principal componente é o monóxido de carbono - o mesmo que provoca morte por asfixia em acidentes com aquecedores a gás. É veneno no ar.
“Nessas regiões, em função dessa quantidade enorme de gases tóxicos e material particulado emitido, a qualidade do ar está ficando, em muitas situações, muito pior do que da cidade de São Paulo”, diz o pesquisador do INPE, Saulo Freitas.
Outra imagem mostra como, no Brasil, as queimadas emitem mais gases do efeito estufa do que toda a atividade industrial e geração de energia - incluindo os derivados de petróleo. E a floresta já pode estar sentindo as consequências.
“Hoje a umidade relativa do ar está em menos de 15% no sul do Amazonas e no norte do Mato Grosso – 15% de floresta tropical úmida, enquanto em São Paulo e Minas Gerais está entre 20 e 25% - o que é absolutamente assustador”, afirma o coordenador do Greenpeace Paulo Adário.
Em 20 dias do mês, as queimadas já são dobro de todo o mês de agosto, no ano passado.
“Com certeza isso é criminoso. Ainda não conseguimos visualizar, dar esse flagrante, mas existem pessoas colocando fogo, realmente”, disse o coordenador do Prevfogo, Flávio Viana.
As evidências são claras: o fogo sempre começa nos pastos, ou seguindo traçado das estradas.
O que o fogo deixa para trás é uma paisagem desolada: cinza e destruição até onde a vista alcança. Só no Parque Nacional do Araguaia já foram destruídos 250 mil hectares. Quase um milhão de hectares em toda a Ilha do Bananal.
A temporada de incêndio ainda tem dois meses pela frente. A primeira chuva não é esperada até novembro, e os rios Javaés e Araguaia estão muito baixos.
Outra grande queimada. Agora, no coração da ilha, na mata de transição onde acaba o cerrado e começa a Floresta Amazônica.
É o pedaço conhecido como a Mata do Mamão. A Mata do Mamão não só concentra a maior biodiversidade da Ilha do Bananal, como também é a sede de uma lenda dos índios javaés. Essa lenda nunca foi confirmada pela Funai. Mas eles acreditam que dentro dessa mata mais fechada, viva uma tribo que nunca foi contatada pelos homens brancos e que são arredios até com os outros índios. São os caras-pretas.
As brigadas ainda estão vindo para cá por terra. Mas o combate aéreo começa. O helicóptero carrega uma espécie de balde, com mil litros de água. Faz a mira e lança. O bombardeio é reforçado pelos aviões, que fazem cair sobre as árvores uma chuva que nesta época, a natureza não traz.
A água resfria o ambiente. Os brigadistas entram para apagar o fogo de vez.
Já são 12 horas de trabalho. Está escuro quando consigo conversar com eles. Descubro três mulheres no pelotão de valentes.
“Nós estamos sempre lá. Carregamos a bomba, estamos sempre na linha deles. Eles também não ficam de preconceito. Nós queremos, e nós vamos. Eles sempre nos dão oportunidade”, diz a brigadista Ricardina Costa.
Como a área não foi reconhecida, hoje não tem trabalho à noite. Mas isso não anima.
“O pior é não conseguir realizar a tarefa. É ver a natureza sendo queimada e se sentir impotente. Sabemos que cada minuto perdido é mais uma parte da natureza que está sendo queimada. Viramos papa-fogo. Vamos e tentamos combater o máximo possível, às vezes, tirando força nem sabe de onde. Mas quando vemos esse trabalho feito, ficamos satisfeitos. Vale a pena”, diz o brigadista Alessandro Pereira.
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